top of page

Uma ocupação ética!

  • Gustavo Tomaz
  • 16 de ago. de 2015
  • 5 min de leitura

Ética

O que é ética? Segundo a filosofia: ética é do jeito mais simplificado de se falar, o modo com que devemos refletir sobre nossas condutas.

A Favela da Paz

Há muito tempo víamos aquele lugar, vários barracos construídos às margens de um esgoto a céu aberto. Nela só víamos a escrita: “Favela da paz, só vida Loka”. Mas queríamos mais, queríamos ver seus rostos, ouvir suas vozes, olhar em seus olhos. E fomos. A miséria nem todos conhecem, mas com certeza já ouviu falar ou já viu na TV, ouviu no rádio ou até mesmo como manchete de jornal ou revista. Mas ver a pobreza de perto é de arrepiar até o mais íntimo fio de cabelo de nosso corpo, é uma experiência estranha, que derruba a nossa parede de estética e visão social. Afinal de contas pobreza para o rico é que nem o caviar para o pobre, “nunca vi, nem usufrui eu só ouço falar”. Não só para o rico, mas também para o que eu chamo de “pobre-burguês”, que nada mais é do que o cara que está cercado de muita bosta, mas finge que tudo está lindo e cheiroso. Uma doce ilusão dos acomodados.

Uma de nossas protagonistas nos conta que antes o lugar, que agora eles ocupam, era tudo floresta e mata que pertencia a chácara das freiras do Jardim Lídia, que depois se tornou um lixão, desativado já há algum tempo, e que o atual esgoto a céu aberto era um rio onde ela com quatro anos ia brincar com os irmãos. As protagonistas de mais uma página de nosso diário de vivências desta vez são: Tamires e Taís duas moradoras da ocupação “Favela Ética” no Jardim Lídia ao lado dos prédios do CDHU.

Taís

Ao entrar na ocupação tivemos nosso primeiro contato com os moradores, andamos mais e nos deparamos com Taís. Moça com apenas 20 anos, de MG vem para SP após a separação dos pais, foi com a mãe para a casa dos avós. Desempregada, atualmente vive integralmente para o cuidado de seu filho. Há três anos está na ocupação junto com seu companheiro, um pintor e gesseiro em obras, a necessidade à fez ir para lá, segundo ela, com um filho para criar ela quis buscar a sua independência e não depender mais dos cuidados de seus parentes.

Taís conta que a prefeitura já foi ao local, cadastraram todos os moradores para moradias populares e ofertaram o auxílio aluguel, mas até agora não estão recebendo o benefício social. Questionada sobre ameaças de reintegração de posse, Taís fala que várias vezes foram ameaçados, mas que nenhuma das ameaças se cumpriu, apenas tiraram barracos onde não moravam ninguém.

O processo de ocupação:

Quando chegou ali Taís conta que haviam poucos barracos, e que todos que ali estavam eram independentes, sem um organizador ou líder, ela nos revela a falta de organização e união da comunidade ali instaurada, onde é cada um por si.

Perguntada sobre o que aconteceria se os tirassem dali, Taís afirma não saber o que fazer e que deixará nas mãos de Deus.

Qual a sensação de morar aqui?

“Para mim é a sensação de que eu estou longe da minha família, e que ninguém vai me discriminar em nada, por eu ter um filho, por isso e aquilo. Morar aqui não é bom! Não é um ambiente que eu acho bom pra se morar, mas pra quem precisa é a única opção. Moradia e emprego em São Paulo é muito difícil”. Nos despedimos de Taís e seguimos em frente.

A cada passo que dávamos, olhávamos um barraco, em cada barraco tinha uma vida ou uma sobrevida, tinha uma esperança, tinha uma criança, tinha gente, mas me pergunto: essas pessoas se veem com gente? Ou melhor, será que quem os vê os considera gente? Mas são gente boa.

Tamires

Continuamos em nossos passos lentos e olhos aguçados. Nos deparamos então com Tamires, ela estava conversando com uma vizinha, com o rosto sujo de tinta guache, pintava cartazes para uma festa que estava organizando para as crianças. Animada, uma comunicadora feroz, logo se prontificou a nos dar seu tempo, sua história e sua boa prosa. Ela nos leva para sua “casa” e nos apresenta sua história.

Ao chegar lá foi super hospedeira conosco. Nos conta que está ali há pelo menos dois anos, estava hiper animada com a atividade que estava realizando junto com outros moradores da ocupação para as crianças.

Mãe solteira, Tamires tem 23 anos e se vira com o que tem, com o dinheiro de alguns bicos, o bolsa família e a pensão de seu único filho. Foi morar na ocupação por não querer mais morar de favor e não ter como pagar um aluguel. Construiu, sozinha, seu barraco, a necessidade faz a pessoa e para Tamires não foi diferente, ela luta para que seu filho tenha uma vida diferente que a sua. Nos conta um pouco sobre sua difícil infância, filha de pai baiano e mãe mineira, é irmã de mais dezesseis, o pai era usuário de drogas, a mãe tinha pouco estudo e era muito religiosa, Tamires conta que não teve muito incentivo a educação e que terminou o Ensino Médio por vontade própria.

Situações a parte:

Tamires conta que algumas pessoas que ali foram parar, foram por pura estratégia financeira, não todos.

O medo:

Para ela a maior dificuldade é o medo, medo de seu barraco desabar, medo da falta de segurança e vulnerabilidade por ser uma mulher sozinha com um filho pequeno para criar, além das doenças, que pode adquirir pelo esgoto e poeira.

A ajuda:

Por pouco Tamires não caiu em depressão, ela nos conta que seus maiores apoiadores foram: Bruno e Micheline, ela fala que em certo momento adquiriu um medo pelo mundo e pelas pessoas, a família desunida, até que eles aparecem e a ajudam a se reerguer.

“Eles reataram meus sonhos, são realizadores de sonhos”.

Lutas constantes:

Tamires conta como foi difícil colocar seu filho na creche, e que agora seu maior desejo é arrumar um emprego e uma casa.

“Muitas das coisas que eu fiz foram em vão. Você cresce ouvindo sobre a paz, sobre o amor ao próximo, só que não é isso, as pessoas dificultam tudo, são desunidas”.

O contato cultural:

“Estou voltando agora a sair, por exemplo, eu frequento o Sacolão das Artes, conheço todos os espaços por aqui, há não ser a Casa do Zezinho, por que minha mãe era evangélica e não me deixava frequentar por causa da religião deles. Eu adoro aprender arte, eu tenho um sonho de aprender a tocar violino”.

Tamires nos revela que quando criança queria ser professora ou engenheira civil, ela acabou se tornando os dois, construiu sozinha seu próprio barraco, com luz e encanamento, além de realizar atividades educacionais com as crianças.

Um sonho:

“Ter uma moradia digna, chegar em casa e saber que ninguém vai me roubar ou que a prefeitura vai derrubar minha casa”.

Ao meio da conversa, uma visita chega e para nossa surpresa é Taís que vem falar com a vizinha e amiga, e com a presença das duas terminamos nossa conversa em uma foto com esses dois exemplos de mulheres e pessoas que sobrevivem do jeito que podem; pessoas que lutam por uma vida mais digna e o mínimo que querem é uma casa para morar.


 
 
 

Comentários


Leitura Recomendada

Santo Amaro (histórias dos bairros de São Paulo).

Santo Dias: Quando o passado se transforma em história.

O Estrangeiro.

 As Veias abertas da América Latina.

 

 

 

Procurar por Tags
Curta "O PASSADO DENTRO DO SEU FUTURO"
  • Facebook Basic Black
bottom of page